Hoje decidi fazer um repost de um assunto que recebo muitas perguntas, mas como não sou especialista em nutrição resolvi buscar respostas de que realmente entende o assunto. Hoje o texto é da Fabiana Benatti do Blog Ciência inForma (o link para o post original é esse aqui!).
Paleo diet: a mais nova-antiga dieta da moda
O American Journal of Clinical Nutrition (revista científica de renome internacional na área da Nutrição) publicou recentemente um artigo de revisão sobre (mais) uma dieta da moda: a dieta paleolítica, conhecida por muitos como Paleo Diet. Tal artigo gerou certa agitação na comunidade científica devido à sua conclusão: “A Paleo Diet, em curto prazo, resultou em maiores melhoras em componentes da síndrome metabólica quando comparada a dietas usualmente recomendadas”. Contudo, um olhar mais cuidadoso sobre o artigo e, principalmente, sobre a literatura científica do tema coloca em xeque essa conclusão, e traz à tona, mais uma vez, a boa e velha discussão sobre os principais problemas das dietas da moda.
Mas afinal, o que é a Paleo Diet e quais seriam seus benefícios?
A Paleo Diet, popularizada em 2001 por Loren Cordain, se baseia no tipo de alimentação que nossos antepassados consumiam na chamada Era Paleolítica (~ 3 milhões a 10 mil atrás). Acredita-se que nessa época os humanos consumiam primariamente alimentos de origem animal (e.g., carnes, peixes frutos do mar e ovos), mas também nozes, frutas e vegetais encontrados na natureza. Além disso, eles não consumiam açúcar, sal, óleos vegetais refinados, álcool, cereais, grãos, legumes, leite e derivados (com exceção do consumo de leite materno durante o período de amamentação). A inserção destes alimentos e sua predominância na alimentação teriam ocorrido após a revolução agrícola (10 mil anos atrás), a qual mudou drasticamente o estilo de vida e alimentação do ser humano.
A principal justificativa dos defensores da Paleo Diet é a de que nossos genes teriam sido moldados principalmente na Era Paleolítica e que as mudanças de estilo de vida e da alimentação impostas pela revolução agrícola seriam muito recentes na escala de tempo da evolução genética, não tendo dado tempo do genoma humano se adaptar a elas. Logo, a alimentação de hoje, totalmente diferente daquela a qual o nosso genoma foi adaptado, explicaria o aumento dramático das doenças da civilização moderna, ou doenças crônicas, como diabetes do tipo 2, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares, etc. Muitos artigos se baseiam em estudos com populações modernas de caçadores-coletores (como australianos aborígenes, por exemplo), os quais mostram que estes indivíduos estão menos suscetíveis a doenças crônicas e que, quando inseridos no contexto da alimentação e estilo de vida modernos, parecem desenvolver essas doenças.
Potenciais problemas dessa teoria
Embora essa teoria pareça plausível, diversos são os seus problemas. Primeiramente, a dieta consumida na Era Paleolítica variava drasticamente de acordo com a região geográfica, clima, e nichos ecológicos que determinavam a disponibilidade de alimento em cada local. Isso quer dizer que algumas populações poderiam consumir uma dieta baseada primariamente em alimentos de origem animal, enquanto outras poderiam ser totalmente vegetarianas. Logo, fica difícil conceber que todos os seres humanos tenham um genoma adaptado exclusivamente a um tipo de alimentação, seja ela qual for. Parece mais coerente imaginar que estamos adaptados a diferentes tipos de dieta, e que isso pode variar amplamente entre indivíduos.
Em segundo lugar, o aumento drástico da prevalência de doenças crônicas ocorreu essencialmente nos últimos 50 anos, muito tempo depois da revolução agrícola e do aumento do consumo de grãos e cereais. Assim, parece mais plausível assumir que alterações na alimentação desse período, como o aumento do consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados, ricos em sódio, açúcar e conservantes, consequências da Revolução Industrial e não na Revolução Agrícola, tenham contribuído para isso.
Por fim, os estudos com populações de caçadores-coletores inseridos em um estilo de vida moderno não levam em consideração que não apenas a alteração da alimentação pode interferir na resposta desses indivíduos, mas também a drástica redução dos níveis de atividade física. Aliás, esta redução também se deu nos últimos 50 anos, com o advento de elevadores, escadas rolantes, popularização de carros, além de toda a inovação tecnológica que nos torna muito menos fisicamente ativos hoje em dia. Assim, é provável que a combinação da alimentação moderna (dos últimos 50 anos) associada à redução drástica dos níveis de atividade física explique o aumento expressivo da prevalência de doenças crônicas, e não o simples consumo de leites e derivados e grãos e cereais.
Problemas e lições tiradas do artigo de revisão
Agora vamos ao artigo de revisão mencionado no início do post. Ao olharmos com cuidado para ele, vemos que os autores se basearam em 4 estudos clínicos randomizados e controlados, que tiveram seguimento de 2 semanas a 6 meses. Primeiramente, este é um número muito pequeno de estudos para que conclusões mais expressivas possam ter feitas. Em segundo lugar, todos os estudos eram de muito curta duração, o que certamente interferiu nos resultados. Por exemplo, o estudo com resultados mais expressivos a favor da Paleo Diet foi o de apenas 2 semanas. Além disso, o estudo clínico com dados de seguimento de 6 meses (estudo de Mellberg et al, 2014) tinha seguimento de 2 anos na sua publicação original. E o mais interessante deste estudo: aos 6 meses, o grupo submetido à Paleo Diet apresentava perda um pouco maior de gordura abdominal quando comparado ao grupo submetido à uma dieta hipocalórica padrão; contudo, essas diferenças não mais existiam aos 2 anos. Isso significa que os dois grupos perderam peso e gordura de forma similar após 2 anos, independente do tipo de dieta. A mesma tendência foi observada para os parâmetros metabólicos (e.g., glicose sanguínea, perfil lipídico e pressão arterial). Logo, se os dados de 2 anos (e não 6 meses) tivessem sido incluídos no artigo de revisão, suas conclusões provavelmente seriam bem diferentes.
Estes dados trazem à tona o GRANDE problema de dietas que restringem grupos alimentares: a pobre aderência a elas. Diversos estudos mostram de forma contundente que embora diferentes tipos de dietas restritivas possam até levar a perdas de peso, gordura e melhora de parâmetros metabólicos um pouco maiores ou menores dependendo da dieta em até 6 meses, essas possíveis diferenças desaparecem em estudos com seguimentos maiores. A explicação é simples: as pessoas simplesmente param de seguir as dietas após este período! A figura abaixo mostra a aderência a 4 tipos diferentes de dieta ao longo de um ano! Vejam que, independentemente do tipo de dieta, a aderência vai diminuindo ao longo do tempo, o que provavelmente explica o famoso efeito temporário de dietas restritivas.
Conclusões
Parece plausível concluirmos que não parece haver um só tipo de alimentação adequado para todos. O ideal é que cada um busque uma alimentação que seja adequada e saudável em todos os sentidos, dentro da realidade de cada um e, claro, sempre associada à prática de atividade física. Aliás, este parece ser o grande mal que assola a comunidade científica hoje em dia quando se fala de prevenção e tratamento de doenças crônicas: a guerra que alguns cientistas travam para que encontremos o “grande culpado”, alimentação inadequada OU inatividade física, quando parece bastante claro que a união dos dois fatores é que faz a diferença!
Até a próxima!
Fabiana Benatti – Blog Ciência inForma
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