Tomei café da manhã no hostel, fiz a minha mala, tomei um banho (algo que sempre valorizo quando posso tomar um banho decente, pois nunca sei quando será o próximo lugar e como serão as condições), com dificuldade consegui me comunicar com a pessoa responsável para pagar em euros ao invés de moeda local (à medida que você se move para o sul, o espanhol será menos falado e você irá perceber que o inglês começa a ser mais útil, se você não fala francês). Mandei para o Achraf o horário e número do meu trem de Rabat para Marrakech para ele embarcar no mesmo trem se fosse possível. Caso contrário iriamos nos encontrar na estação de Marrakech. Entre Rabat e Marrakech, a viagem de trem leva quase 6 horas e até Casablanca é menos de 2 horas.
Faltando pouco para chegar na estação de Casablanca, Achraf me manda uma mensagem dizendo que está um mega trânsito na cidade e que talvez chegará a tempo. Finalmente ele embarca e como havia espaço na mesma cabine, vamos o restante da viagem colocando o assunto em dia e entendendo um pouco mais sobre o itinerário que iríamos fazer. Ele tinha já cuidado do aluguel do carro (custou 25 dólares por dia para um carro pequeno) e quando chegamos na estação tinha uma pessoa nos esperando para levar até o escritório. Não se assuste, mas é comum que eles retenham o passaporte do motorista até o final e colocam num cofre (um pouco estranho, mas é o que eles fizeram). Fomos primeiro ao Carrefour para comprar comida e bebida antes de começar a viagem até Imsouane que estava a quase 300 km.
O importante é você comprar a parte industrializada do que irá consumir, pois além de mais opções é mais barato em Marrakech. A parte de bebidas alcoólicas é grande, porém um pouco escondida… O preço da cerveja você pode imaginar: mais caro que em Londres!!! O Achraf bebe pouco e eu não necessito de muito também (a conta foi apenas 2 latinhas para cada um por dia) e mesmo assim foi uma grana feia… hehehehe Saímos do supermercado quase as 16h e sem almoço (comemos umas batatas industrializadas no trem e foi só) paramos no primeiro restaurante na saída da cidade para comer antes de pegar a rodovia: é muito comum você encontrar nas paradas de estradas, pequenos aglomerados de lojas, que possuem um pequeno açougue, um restaurante e umas lojas de artesanatos. O restaurante não vende a carne, então você vai ao lado no açougue escolhe e leva um prato para o restaurante que irá preparar na brasa da forma que você pedir (nesses lugares as opções vegetarianas são limitadas). Pão com carne e tomate, refrigerante! Pé na estrada.
Lembram do aplicativo de mapas que eu recomendei uns dias atrás, Here Maps!? Ele funciona super bem offline no Marrocos. Ligamos o GPS e começamos a nossa viagem com a pretensão de curtir a viagem sem muita pressa. Então fomos primeiro para Essaouira, uma cidade super famosa para os Europeus, já na costa do atlântico. A viagem é linda e para quem curte viajar de carro, como eu, não terá nada do que reclamar. As estradas são uma mistura de pista dupla com limite de velocidade de 130km/h e algumas bem estreitas (porém todas com boas condições de asfalto). Revesamos a condução e chegamos em menos de 2 horas e meia em Essaouira. Foi o suficiente para ainda pegarmos o pôr-do-sol e caminharmos umas 2 horas pela cidade. Você vai encontrar uma cidade que foi toda refeita para os turistas, com cafés e restaurantes bem modernos nas casas antigas da Medina.
Veja no meu site esse quadro lindo da medina de Essaouira!
Nessa altura do campeonato, você admira as Medinas, que se assemelham de certa forma, porém já é mais difícil de ficar espantado por alguma coisa (já era a minha quinta a conhecer, e apesar de ser mais organizada que as outras, era também a mais turística de todas). Algo que me agradou bastante foi a parte de mercado de especiarias e verduras (próximo a Marrakech a oferta é maior e você poderá encontrar uma variedade enorme!!). Compramos o restante dos ingredientes que ainda não tínhamos comprado no supermercado e seguimos viagem. Menos de 2 horas e estaríamos no nosso destino.
Achraf já tinha me alertado que a nossa única preocupação na estrada seria manter o limite de velocidade, pois eles são bastante rígidos com esse assunto. Eu começo a dirigir e menos de uma hora depois, nos passou algo interessante: lembra que compramos cerveja (um montão na verdade… rsss)!? Não se pode beber em lugar público, mas os supermercados do país vendem normalmente, pois possuem uma licença especial. Qualquer cidadão/estabelecimento que for pego vendendo ilegalmente, pagará multa, mercadoria apreendida e poderá até ir para a cadeia… No início de um vilarejo, avistamos outra blitz policial (foi a terceira do dia) e dessa vez fomos parados. Limite de velocidade dentro do permitido, era apenas uma operação de rotina para checagem de documentos. Ele no banco do passageiro, fez todo a comunicação em Árabe, entregamos os documentos do veículo e os pessoais. “Ok, tudo certo!?” “Sim, mas antes por favor abra o porta-malas”. As duas caixas de cerveja estavam no porta-malas e o policial meio que levou um susto: “O que é isso!? Vocês estão infringindo a lei…”.
Um detalhe importantíssimo aqui: estávamos exatamente a 10 dias do período religioso mais sagrado para os muçulmanos, o Ramadã (não sou um especialista em história e ética das religiões e recomendo que você faça uma leitura separada sobre o assunto). Essa conversa toda em árabe e eu já tinha percebido que algo estava errado. O policial, chama o chefe dele, ambos super jovens (menos de 40 anos) e o chefe começa a perguntar qual a razão de tanta cerveja (eles estavam mais preocupados se iríamos vender ilegalmente isso na praia). O meu amigo aponta para mim e agora em francês (depois ele me explicou um pouco melhor, que se você tem um certo nível cultural no Marrocos, o francês é a língua preferida em alguns ambientes…) explicando que iríamos surfar em Imsouane (fui surfista por alguns minutos da minha vida!! hahahaha) e que como brasileiro eu gostava de cerveja (verdade) e que eu por não ser muçulmano não estava cometendo nenhuma infração (especialmente próximo ao Ramadã, o tema álcool é muito mais sensível…).
Por ser engenheiro e trabalhar na área comercial também (assim como eu), ele tem um bom jogo de cintura. Sempre muito educado, mas firme (sem medo de dizer que não estava cometendo nenhum crime) não arredou o pé (a polícia não gosta muito de arrumar encrenca com turistas, mas eramos metade turistas…). Foram quase 30 minutos de conversa e como não oferecemos nenhuma propina ou fomos agressivos, o policial me disse em inglês (suficiente para entender): “Vocês podem ir, por causa do seu amigo aqui. Ele é uma pessoa muito correta e inteligente. Boa viagem.” (ajudou também que o policial tinha estudado na mesma escola que a mãe do Achraf dava aulas… Salvos pela escola!!!!!! hahahaha)
Chegamos quase as 23h em Imsouane (os últimos 30 minutos é uma estrada vicinal super estreita e com mais curvas que a pista de F1 de Mônaco!). Como ele já tinha ido para Imsouane antes, ele reservou um apartamento pra ficarmos. Em baixa temporada, como foi o caso, o lugar que ficamos era um apartamento de frente pro mar com 2 quartos enormes, 2 banheiros, uma cozinha grande (muito importante esse detalhe para quem gosta de cozinhar!!) e uma sacada decente (que você irá provavelmente não usar, pois o vento é tão forte e com tanta areia do deserto, que você ficará alguns minutos e já estará coberto de pó!! hahahahaha) por 20 dólares a diária.
A vila é super pequena (provavelmente com menos de 500 habitantes fixos) e com uma quantidade de apartamentos que deve dobrar a população em alta temporada. Nessa época o lugar ainda estava bastante vazio (muito vento e uma água gelada!!!), o que foi excelente para descansar e ler!! O meu amigo foi para surfar e eu para meditar, sacudir um pouco da poeira da estrada e ficar num lugar mais dois que dois dias, não me preocupar com a mala no dia seguinte e poder cozinhar (uma das minhas terapias!).
Viajar com uma pessoa que você já conhece, pode muitas vezes ser estressante, né!? Cada um com as suas necessidades, manias, horários para fazer cada coisa… Imagina como é viajar com desconhecido que agora eu chamo de amigo (lembra que tinha falado com ele ao vivo em Munique apenas alguns minutos e depois foi apenas por mensagem!?). O meu preconceito sobre o Marrocos e os muçulmanos (que ainda com vergonha volto a lembrar sobre esse assunto que mencionei dias atrás…) também criou um certo receio (isso pode até me deixar um pouco preocupado, mas até hoje nunca me impediu de experimentar ou tentar algo). Durante a viagem de carro, conversamos de diversos assuntos, desde a vida na Europa, a capoeira (algumas partes em português), política (sempre delicado esse assunto, nos dias atuais), os nossos amores, profissão… Já na metade do caminho, já havia uma compatibilidade muito grande, principalmente de caráter e valores. Ele já a tanto tempo na Europa, conseguiu criar uma análise bastante sóbria e crítica sobre seu país que ele ama tanto, mas que não fecha os olhos para os problemas em nome de um famigerado nacionalismo! Como eu também tenho a mesma paixão pelo meu país, porém bastante sóbrio para reconhecer tantas falhas (não vou entrar em detalhes aqui sobre esses assuntos), conseguimos enxergar senso crítico um no outro e que estávamos abertos para novas ideias. Então, por sorte ou destino encontrei um bom parceiro para viagem!
Eu adoro peixe e poder comprar direto da mercado dos pescadores, comida fresca, é algo impagável! E com um preço justo, melhor ainda. Cozinhamos todos os dias e o cardápio foi basicamente o mesmo (apenas o tipo de peixe que variava): tagine de peixe fresco com todas as ervas e especiarias que o Marrocos podia oferecer!! Ahhhh, água na boca se formando nesse exato momento me lembrando dos pratos!! A dinâmica da nova república funcionou bastante bem!! Quando um fazia o café da manhã (omelete, pães, chá de hortelã, manteiga de amendoim caseira, queijo…) o outro lavava as panelas e ficava responsável pelo almoço/jantar! Assim, foi uma semana de comer bem e barato (ambos cozinhamos muito bem obrigado!!).
“O pescador, tem dois amor… um bem na terra um bem no mar… O bem do mar, é o mar…” Dorival Caymmi era enfeitiçado pelo mar… Mas ele morava em Salvador, né!? Natural! Como explicar esse fascínio num goiano!!!!!?? hahaha Eu fico horas sem me cansar contemplando as ondas, a música, a brisa, a umidade… Estava com saudade!! O sol nessa época (entre as 9 e as 14h) era suficiente para te deixar queimado, mas ainda pouco para aquecer a água (que eu entrei todos os dias, mas era tipo triatleta, você entra correndo, mergulha e sai correndo para a próxima etapa da prova!!! kkkkkkk). Embora adoro ficar boiando no mar calmo sem pressa para sair, não pude reclamar! Li bastante e peguei uma corzinha (estava mais branco que papel A4).
No terceiro dia em Imsouane, quando o mar não estava pra peixe e surfista, decidimos ir até a cidade de Agadir para nos reabastecer e conhecer um pouco mais do país! Ahhhhgadir, que cidade gostosa… Primeiro, fomos no mercadão para fazer as compras!! Cara, imagina a alegria quando vi aquela quantidade de cores (que só as mulheres conseguem dar os nomes corretos!! hehehe) com frutas, verduras e aquelas montanhas lindas de especiarias… Eu estava igual criança no parque!! Estoque refeito de comida, bora tomar um café na praia. O calçadão na praia é imenso e bem turístico, com vários restaurantes e discotecas e uma faixa de areia que me lembrou muito as praias no Brasil (principalmente as de Floripa, onde as 17h a maioria tem um casaco para espantar o vento fresco!!).
Passamos algumas horas conversando, contando histórias da vida de cada um por algumas horas, até que a temperatura estava suficiente para usar um casaco que não tínhamos ali. Voltamos pra Imsouane que estava a 2 horas de Agadir e estava na hora de preparar o jantar: peixe novamente com verduras frescas!
O tempo no paraíso estava terminando e amanhã vamos pegar a estrada novamente para Marrakech. Vamos mudar os ares, da solidão linda de uma praia deserta, para a multidão frenética de turistas e locais!! Beijos e até já!
Nota: foto da praia entre Imsouane e Agadir, Canon T5i, lente 18-250mm. Exposição automática.
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