Muitos consideram correr uma maratona o ápice da resistência física, mas para quem quer se tornar um Ironman, a maratona é apenas um pedaço da história. E como é competir o Ironman pela primeira vez?
Nadar 3.800m, Pedalar 180km e correr 42km é o que separa as pessoas normais daqueles que querem se tornar um Ironman. Eu tive a oportunidade de participar de um Ironman em 2006 e posso afirmar que essa foi uma das maiores emoções esportivas que eu tive na vida, embora hoje eu não tenha vontade de repetir a dose, mas isso é conversa para outro artigo…
Para a grande maioria dos triatletas já passou pela cabeça a idéia de fazer um ironman e muitos se perguntam se seriam capazes de conciliar o treinamento com a rotina de trabalho e família. Por isso no ano passado, resolvi acompanhar 4 amigos que resolveram pela primeira vez em suas vidas, fazer um Ironman.
Acompanhei 4 atletas bem distintos, cada um com um perfil diferente dos outros: uma mulher, um amador TOP, um iniciante e um atleta novo (de idade). E com a colaboração desses 4 amigos que gentilmente aceitaram ser entrevistados, pude relatar as alegrias e dificuldades de cada um deles, para ajudar aqueles que pensam em um dia fazer um ironman.
OS ATLETAS
Os atletas foram Flavia Ribeiro Funes, atleta da categoria 30-34; Thiago Neves e Sandro Ottoboni da 30-34 e Felipe Ribeiro Barbosa da 20-24.
Flavia (a menina da turma)
Flavia é médica e tem uma rotina de trabalho bem intensa. Quando adolescente competiu como nadadora e depois se tornou corredora, para passar para o triathlon foi um pulinho…
Com muita raça e força de vontade essa menina conseguiu conciliar a rotina de médica (que envolvia algumas vezes até 2 plantões semanais) com os treinos de uma forma inacreditável. Eu até hoje, não sei como ela aguentava ir dos plantões direto para o treino longo de bike no domingo.
O fato é que o esforço foi recompensado, já que a Flavia conseguiu a vaga para o Ironman de Kona, já na sua primeira tentativa.
Thiago (o Novato)
Thiago Neves, é um advogado e pai coruja da Bia (como mostra a foto abaixo). Dos 4 atletas, era quem tinha menos tempo de triathlon. Bem no começo da preparação, Thiago tinha bastante insegurança. De não completar, de se lesionar no treino, de quebrar na maratona. Mas durante a preparação, ele surpreendeu e no meio do caminho se descobriu um ótimo corredor. E completou a prova com um tempo muito bom!
Meu amor!!!
Sandro (o engenheiro)
Sandro Ottoboni é engenheiro e triatleta. Apesar de ser um atleta amador com relativo sucesso, era um estreiante no Ironman. Sandro tem um passado esportivo com nadador.
Felipe (o Fiote)
Felipe Ribeiro Barbosa, é estudante. E apesar da pouca idade, era o que mais tinha tempo de treino da turma. Felipe costumava competir provas mais curtas, inclusive tivemos a oportunidade de competir juntos em algumas provas de XTERRA. Tem o apelido de Fiote, pois era o mais novinho da turma.
Entrevista com 4 Ironmans de Primeira Viagem
Espirito Outdoor: O ironman foi mais fácil ou difícil do que vc imaginava?
Flavia: Acho que foi exatamente como eu imaginava.Nem mais fácil nem mais difícil. Fiquei com medo de quebrar na corrida, como sempre ouvia o pessoal falar e não quebrei. Simplesmente deu tudo certo.
Thiago: Difícil responder, fiz uma prova extremamente conservadora. Tenho fobia de aguas abertas. Nadei no bolo muito tranquilo. Tomei soco e chute e não apavorei nenhuma vez. A bike foi extremamente conservadora. Estava me sentido muito bem. Sai para correr no pace proposto e fiz ate o km 21, quando começou uma dor absurda no peito do pe esquerdo. A partir dai a prova foi mais difícil, por ter que correr sem conseguir pisar.
Sandro: O treinamento para o Ironman foi mais difícil do que eu imaginava – exigiu muita dedicação. Creio que ainda tinha na cabeça que seria apenas um pouco mais de treino comparando com o Long Distance. A prova em si foi, na medida do possível, mais fácil do que eu imaginava.
Felipe: Durante todo o treinamento, a periodização e abdicação de coisas do dia a dia, eu sempre pensei que a prova fosse algo muito mais difícil. Mas definitivamente não é uma prova fácil, você tem que estar muito bem treinado para que ela ocorra “bem”. Do contrário, a prova poderá ser uma tragédia e “quebrar” você. Esta é minha maior dica, esteja muito bem treinado !
Espirito Outdoor: Qual foi a parte mais difícil da sua prova?
Flavia: Incrivelmente foi a natação (Flavia é uma excelente nadadora). Achei que seria a mais fácil. Mas logo na saída pisei em um buraco e fui para o chão. Bebi muita água e nessa hora muita gente me passou. Perdi referência de bóia e acabei indo com o fluxo. Mesmo assim acredito que nadei bem. Trabalhei muito a cabeça nessa hora. Sabe aquela vontade de inicio de desistir de tudo?
Thiago: Correr os últimos 21km!
Sandro: A parte mais difícil da prova foi a corrida, não especificamente devido ao esforço acumulado, mas por causa das cãibras que senti durante a prova toda (começaram a surgir na primeira bóia da natação).
Felipe: Definitivamente a maratona. Comecei a nadar quando criança, portanto adquiri a técnica da natação logo cedo, fazendo com que a parte da natação fosse a mais “fácil” da prova. O pedal sempre foi a minha modalidade mais forte, então não tive problemas. Já a maratona, tive diversos problemas durante o treinamento. Primeiro, uma fratura por estresse no quarto metatarso, onde tive que interromper os treinos para uma maratona que faria como treinamento. Segundo, um “over” na corrida quando comecei a fazer os longos. Cheguei a fazer no máximo 27km, uma vez. Assim já sabia que a minha maratona não seria fácil na prova. Durante a prova corri até o km 15, depois disso foram somente andadas e corridas até um próximo ponto que definia. Corria até o próximo cone, ou até o próximo posto de hidratação, e por ai ia….
Espirito Outdoor: Qual foi a parte mais fácil da sua prova?
Flavia: A corrida. Sai para correr bem. Segurei o pace como o meu técnico pediu. Teve algumas vezes que achei que não conseguiria. Mas terminei bem melhor do que na maratona do Rio (que usei como preparação).
Thiago: Bike, fiz pedal muito conservador. Praticamente girei, pois estava com receio de quebrar na prova.
Sandro: Pode parecer falta de modéstia, mas achei a natação e o pedal fáceis. Consegui fazer tudo de acordo com o que havia planejado – e se não estivesse com tanta dor, a corrida também seria no pace proposto.
Felipe: Não sei se diria a parte mais fácil, pois não teve parte “fácil” em uma prova dessas. Mas diria que a parte mais confortável, onde pude imprimir o “pace” e não me preocupar em “quebrar” foi na bike.
Espirito Outdoor: Qual (quais) foi(forma) o(s) momento(s) inesquecivel do seu ironman?
Flavia: Todas as vezes q passei em Jurerê Internacional e ouvia a voz da minha família torcendo por mim. E lógico a chegada. So ouvia o meu técnico falar “’é SUB 11, SUB 11…”. Não tinha nem noção do que ele estava falando até ler o tempo da chegada. Estava focada nos tempos em separado. Não tinha juntado os pedaços. Rsrs
Thiago: O retorno da bike, as pessoas na rua, parecia oTour de France, as pessoas saindo do meio da rua para dar passagem. Minha filha e minha irmã me apoiando na corrida, tentando correr comigo. O abraço que dei na esposa para pegar energia durante a corrida. O Flavião (um grande amigo) correndo comigo nos últimos 2 kms, incentivando, eu não conseguia mais pisar, pace de 8’/km quase.
Sandro: Os momentos inesquecíveis foram em especial a largada, e cada passagem na bike e corrida pela Av. dos Búzios, onde a aglomeração de pessoas gritando transmitia grande energia. E claro, a chegada é algo indescritível – e não desabar no choro é praticamente impossível.
Felipe: Alguns momentos ficarão para sempre. O primeiro, a largada. E segundo, a multidão que formava na avenida principal da prova.
Espirito Outdoor: Se você pudesse voltar ao tempo e mudar algo em sua preparação, o que você faria diferente?
Flavia: Teria tentado trabalhar um pouco menos, principalmente fazendo menos plantões. Fiquei realmente cansada no final da preparação.
Thiago: Não mudaria nada. Acho que minha preparação foi perfeita.
Sandro: Não mudaria nada em minha preparação: creio que o volume e a intensidade foram adequados. Em todos os momentos da prova me senti muito bem preparado.
Felipe: Para uma prova dessas, a preparação depende de vários fatos. Se você já é um atleta experiente em longas distancias, se já correu maratonas, seu nível de natação e etc. No meu caso, eu mudaria minha preparação da corrida. Definitivamente colocaria mais tempo na preparação e correria pelo menos uma maratona como treino.
Espirito Outdoor: Qual o papel da sua família na preparação? De que forma sua familia o ajudou em seus treinos e na prova?
Flavia: Não posso dizer q eles gostaram da minha idéia de fazer o ironman. Acho q eles odiaram. Mas ninguém nunca falou nada para mim diretamente. No mais eles me respeitaram… meu cansaço, minha rotina de treino. E agora no final a torcida. Foi muito bom ver eles torcendo por mim. Me fez ir além
Thiago: Ninguém faz ironman sozinho. Sem o apoio da família é impossível fazer. Minha família ajudou muito, desde a elaboração das refeições específicas, na compreensão do cansaço e nas ausências.
Sandro: O apoio da família (esposa) foi fundamental – conviver com um aspirante a Ironman não é muito fácil: horários complicados e falta de tempo para quaisquer programas. Neste ponto posso dizer que tive apoio incondicional.
Felipe: A família tem um papel muito importante na preparação, eles são as pessoas que não vão deixar de te ajudar por que você está cansado. Eles vão te entender, e vão ajudar !
Espirito Outdoor: Tem vontade de fazer outro ironman?
Flavia: Sim, Kona (Flavia conquistou a vaga para o Ironman Kona – o Campeonato Mundial da modalidade). Depois acho que chega. é muito bom toda essa emoção, mas é uma rotina muito cansativa. Acredito que ficar no 70.3 já está de bom tamanho.
Thiago: Espera a dor no pe passar que te respondo (Thiago respondeu ao questionário 24h após completar o Ironman). Um pouco tenho sim. Mas acaba com o corpo. Eu passei mal após completar, precisei de atendimento medico. Acho que tive hipotermia e demorei algumas horas para voltar ao normal, mas o atendimento médico da prova foi impecável.
Sandro: Sim, tenho vontade de fazer outro Ironman – e desta vez fazer os tempos programados.
Felipe: Com certeza, mas esperaria mais tempo pelo fato de ser muito novo. Não acredito que o corpo esteja totalmente preparado aos 20 anos. E com certeza, para fazer um ironman, você vai ser muito mais feliz se treinar anos antes de efetuar sua inscrição para o Iron.
Espirito Outdoor: Qual conselho daria para quem quer fazer um ironman?
Flavia: Faça. Eu acredito que quadro você se coloca em um desafio desse porte e supera, você começa a acreditar que pode sonhar de novo. E que com esforço as coisas são possíveis. Só precisa querer. Precisa de disciplina e muita força de vontade. Mas a recompensa final supera toda a dificuldade.
Thiago: Seguir a orientação de um bom técnico. Ler tudo o que for possível, escutar todas as experiências, saber filtrar o que vai usar durante a prova. Muita cabeça durante a prova.
Sandro: Difícil aconselhar. Se alguém sem experiência, recomendaria seguir os passos normais (provas de short distance, olímpicas, e 70.3). Para alguém já praticante do triathlon, eu diria para pensar muito bem na dedicação necessária – que é muito maior do que imagina-se. Em ambos os casos, os conselhos seriam de apoio na busca deste sonho.
Felipe: Treine, treine e treine. Não deixe a tecnologia passar na frente dos seus treinos. Não mate treinos. Para ser um Ironman você precisa se dedicar e acordar cedo e seguir a planilha desde o começo.
Espirito Outdoor: na preparação da prova, como foi a sua alimentação? Teve acompanhamento de nutricionista, usou suplementos?
Flavia: Eu não acompanhei com nutricionista. Não usava suplementos ate final do ano passado. Quando realmente percebi que precisava. Mesmo assim sempre que podia tentava suplementar com comida. Principalmente as de alto teor de caloria. Adiantou bem para mim.. Mas como médica (endocrinologista) tenho uma boa noção de comer certo, acredito realmente que um nutricionista ajuda bastante quem não está nessa área.
Thiago: Fiz acompanhamento com o nutricionista Fernando Loria, emagreci uns 14 quilos. Usava suplemento so quando sentia necessidade. Whey para dormir e endurox só nos últimos 3 meses de precação.
Sandro: Não tive acompanhamento de nutricionista, e sempre tive uma alimentação muito saudável. Com relação à suplementação, tomava Malto durante os longões de bike, e Endurox após treinos longos de corrida e ciclismo.
Felipe: Não tive acompanhamento de nutricionista e usei muito pouco suplemento. Acredito que é possível se você tiver um bom conhecimento do assunto. Mas definitivamente aconselharia a procura de um nutricionista e um adequado uso de suplementos. Pois é uma jornada desgastante onde você precisará dos nutrientes corretos.
Espirito Outdoor: Descreva como foi a sua prova.
Thiago: (Meu treinador e eu) Optamos fazer uma prova conservadora. Nadei sem fazer forca. Me assustei quando pisei na areia e vi 1:14. Excelente tempo. Pedal fiz 32 de media, em treinos tinha feito com media de 33km/h girando. Foi muito de boa. No km 110 que bateu um cansaço, comi, tomei gel e hidratei com mais intensidade, deu forças. Entreguei a bike muito de boa. Meu técnico até brincou que eu estava sorrindo e realmente estava. Corrida tranquilo, caminhei nas subidas e descidas, fechei a meia maratona muito bem. Ate que a dor no pé começou, o pace foi para 6’20″ (/km), dor piorando e pace subindo 7′, 7’30” ate cruzar a linha de chegada e desabar no choro. Chorei igual criança. Emoção muito forte. Durante a corrida passa filme sobre a preparação, a ausência da família, nossa muita coisa! Realmente foi muito emocionante.
Sandro: A prova foi tranquila, na medida do possível. Larguei bem, e mantive uma natação consistente, apenas incomodado por pontadas de cãibras nas pernas já na primeira bóia. Saí do mar com 55 minutos de prova, dentro da minha meta (50′ a 55′), e fiz a T1 num tempo normal.
Saí pro pedal e senti que daria para cumprir o programado apesar das fortes dores das cãibras. A primeira volta foi mais tranquila, com 36,5km/h de média, que caiu para 35,5km/h ao final do ciclismo devido ao vento da segunda volta. Terminei a bike em 5h05′, também dentro do esperado (5h00′ a 5h15′). Na T2 também não tive intercorrências.
Para a corrida, depois de sentir tanta dor (das cãibras), tinha certeza de que teria problemas. A meta era um pace de 4’20″/km a 4’30″/km, e saí no ritmo mais conservador pra ver o que aconteceria. De fato as dores foram piorando muito, e parei umas 7 a 8 vezes para fazer alongamento. O pace final da corrida ficou em 5’00/km, o que fez o tempo final de prova subir bastante (pretendia algo entre 9h15′ no melhor dos mundos, a 9h30′) – terminei em 9h48′. O resultado não me decepciona, pois parece um ótimo tempo. Que venha o próximo Ironman.
Felipe: Uma natação boa, onde me senti um pouco “esmagado” pela roupa de borracha. A primeira transição foi OK, consegui achar minhas coisas fácil e me trocar sem problemas. Na bike, tudo ocorreu bem, sem problemas técnicos, mas senti um pouco de frio no final da bike. A corrida foi cruel comigo. Não estava preparado para aquilo. Não tinha capacidade de correr tudo aquilo. Comecei correndo bem, até o quilômetro 15, a partir disso foi somente de migalhas em migalhas, correndo o máximo que conseguia, mas tudo era motivo de dor. Correr doía, andar doía, ficar parado doía. A única vez que melhorou foi quando sentei na calçada e deixei minha perna apoiada no chão. Porém sabia que tinha que terminar. Assim foi até o final, onde tive uma sensação incrível de felicidade de atravessar a linha de chegada.
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